“Desviaram mais de R$ 1 milhão”
 Em agosto de 2005, o assistente de chancelaria do Itamaraty Francisco 
Chagas da Costa Freitas se filiou ao então PFL, hoje DEM. No mês 
seguinte, assumiu a presidência do diretório regional do partido no Acre
 com dupla incumbência. Primeiro, reorganizar a legenda no Estado. 
Depois, preparar sua candidatura ao Senado para as eleições de 2006. A 
primeira tarefa se mostrou mais complexa que a segunda. Chagas Freitas, 
como ele se apresenta (homônimo do governador biônico do Rio de Janeiro 
na década de 1970), deparou com um quadro de descalabro: salários de 
funcionários e aluguéis de imóveis atrasados, disputas trabalhistas e 
uma série de cheques sem fundos emitidos pela gestão anterior. Eram 
tantos cheques voando na praça que o Banco Central encerrara a conta do 
PFL acriano. Orientado pela direção nacional pefelista, ele abriu uma 
nova conta para movimentar o dinheiro do partido. Começava ali uma longa
 briga que culmina hoje com uma denúncia grave envolvendo vários 
dirigentes e ex-caciques do PFL (ou DEM).
 Com a palavra, Chagas Freitas: “O Saulo Queiroz, que hoje é o braço 
direito do Kassab, me disse: ‘Chagas, não se preocupe. Nós estamos com 
um rolo muito grande na Bahia. Na Bahia, houve desvio de mais de R$ 1 
milhão. O partido terá de resolver essa questão da Bahia, porque lá tem o
 ACM e todos esses caras que são importantes no partido. E, depois que a
 gente resolver o caso da Bahia, vamos resolver o caso do Acre’. Quem me
 disse isso foi o Saulo Queiroz, com a anuência do Bornhausen”.
 São tantos os caciques políticos citados numa única denúncia que é necessário colocar legendas. Ei-las:
  - Saulo Queiroz era na época tesoureiro nacional do PFL/DEM. Hoje é secretário-geral do PSD;
  - Gilberto Kassab é prefeito de São Paulo. Liderou uma dissidência no DEM e criou, em 2011, o PSD, do qual é presidente;
  - Antônio Carlos Magalhães (ACM) era um dos nomes de maior expressão 
no PFL/DEM. Morto em 2007, foi governador e senador pela Bahia;
  - Jorge Bornhausen, político catarinense, foi presidente do PFL/DEM até 2007. Hoje está fora da política.
 Depois de assinar uma série de cheques para pagar as despesas do 
diretório regional, Chagas Freitas, como qualquer outro dirigente 
partidário, teve de prestar contas à Justiça Eleitoral. Os partidos 
precisam justificar anualmente seus gastos, entre outras razões, porque 
recebem recursos da União por meio de um dispositivo conhecido como 
Fundo Partidário, abastecido com dinheiro público. Em 2006, o Tribunal 
Regional Eleitoral do Acre rejeitou as contas do PFL local, sob o 
comando de Chagas Freitas, que perdera a disputa por uma cadeira no 
Senado naquele ano. O TRE apontou aplicações irregulares de dinheiro do 
Fundo Partidário. Como se trata de dinheiro público, o caso foi remetido
 ao Tribunal de Contas da União (TCU), que condenou Chagas Freitas e o 
tesoureiro do PFL do Acre, Raimundo Aragão, a ressarcir o Tesouro 
Nacional em mais de R$ 115 mil (hoje o débito está em mais de R$ 200 
mil, devido à correção monetária e aos juros). Desde então, Chagas 
Freitas luta para que o partido assuma o pagamento dessa dívida. O 
comando nacional do DEM se recusa. Seria, então, a acusação de Chagas 
Freitas contra o DEM da Bahia uma denúncia infundada, uma chantagem?
 O próprio Saulo Queiroz reconhece uma sucessão de problemas no PFL 
baiano entre 2005 e 2006. Ele não admite que houve desvio, mas conta que
 a Justiça Eleitoral bloqueou o Fundo Partidário do PFL na Bahia depois 
de detectar vários gastos proibidos por lei, despesas que não poderiam 
ser pagas com recursos públicos. No caso do Acre, Queiroz afirma que 
houve mesmo roubo de dinheiro do Fundo Partidário:
 – O que aconteceu no Acre? Eles não tinham comprovantes dos gastos. 
Emitiram cheques sem pagar nenhuma conta do partido. Para onde foi o 
dinheiro, não faço ideia. Não tínhamos, naquele momento, como resolver. 
Havia um indício muito forte de desvio. Que, a bem da verdade, não foi 
feito por Chagas Freitas. Ele tinha um tesoureiro que não era uma pessoa
 muito honesta. Confiou no cara, o indivíduo saiu sacando dinheiro e 
botando no bolso. Infelizmente, sobrou para ele. Mas tem 80% de culpa, 
porque foi ele quem colocou esse tesoureiro lá. E assinava os cheques 
como se fossem em branco.
 E o que ocorreu na Bahia? Eis o que afirma Queiroz, na qualidade de tesoureiro-geral do partido na época:
 – Houve um problema na Bahia, mas não era igual a esse do Acre. 
Prestações sucessivas de contas com problemas. Não caracterizando 
desvio, mas utilização indevida de recursos do Fundo Partidário, 
aplicado em coisas que a lei vedava. O que fizemos? Se não me engano, 
adiantamos seis cotas do Fundo Partidário para a Bahia, para que eles 
pudessem resolver o problema no Tribunal. Em outra conta, para 
recebimento de doações, depositamos mais recursos para a sobrevivência 
do diretório, porque também estavam impedidos de receber dinheiro do 
Fundo Partidário.
 Queiroz diz não lembrar o valor exato aplicado irregularmente pelo PFL 
da Bahia, mas acredita que seria algo em torno de R$ 600 mil – e não 
mais de R$ 1 milhão, como diz Chagas Freitas. Segundo Queiroz, a crise 
na Bahia foi tão grave que a direção nacional do partido teve de 
intervir no diretório local.
 Chagas Freitas diz que Queiroz é comedido ao falar em aplicação 
irregular de dinheiro na Bahia. “Foi desvio de recursos mesmo. Não havia
 notas fiscais para os gastos”, afirma. Ele diz que não houve roubo no 
Acre em relação às contas de 2005, como afirmou Queiroz, mas sim o 
entendimento do TCU de que cheques do Fundo Partidário foram usados de 
forma irregular. Ele entrou com um recurso no Supremo Tribunal Federal 
contra a decisão. Na quarta-feira passada, o ministro Ricardo 
Lewandowski concedeu uma liminar em favor de Chagas Freitas, suspendendo
 em caráter temporário a cobrança do TCU. Ele também mandou citar o 
diretório nacional do DEM, para que o partido se manifeste sobre o 
assunto.
 “Temos a comprovação de todos os gastos do diretório do Acre. Somente 
fiz pagamentos por ordem do diretório nacional do partido. Como o 
partido quer que eu assuma essa responsabilidade? Sou economista e 
trabalho há mais de 30 anos no Itamaraty. Já cuidei das contas de várias
 embaixadas. Nunca sofri uma acusação sequer de qualquer tipo de desvio 
nesses anos todos”, diz Chagas Freitas. Nos últimos meses, ele mandou 
várias cartas ao atual presidente do DEM, senador Agripino Maia (RN), 
cobrando posição do partido.
 Agripino afirma que o departamento jurídico do DEM entendeu que não há o
 que fazer. “Esse rapaz nos procurou. Eu disse a ele: ‘Quem te prometeu 
ajuda foi o Saulo? Então é o Saulo que tem de tratar desse assunto com 
você’. O partido não pode se responsabilizar por situações da pessoa 
física”, diz. Agripino e o atual tesoureiro nacional do DEM, Romero 
Azevedo, disseram que, se houve erros na Bahia, eles não sabem do que se
 trata, pois os fatos ocorreram antes de seus mandatos no comando do 
partido. “A responsabilidade pela aplicação dos recursos é da Bahia, não
 nossa”, diz Agripino.
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2012/06/desviaram-mais-de-r-1-milhao.html
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