POR Arnold Coelho Jornalista MTB 6446 /BA Um ex-morador ribeirinho
A história da humanidade mostra que as primeiras civilizações se formaram às margens de grandes rios. Enquanto viveram como nômades, os seres humanos não tinham moradia fixa e se dividiam em grupos, onde os homens caçavam e as mulheres coletavam frutas; eles só permaneciam no local enquanto tinha alimento.
Com o desenvolvimento rudimentar da agricultura e a pecuária o homem foi forçado a habitar e se fixar em regiões com água e consequentemente passaram a se estabelecer e viver próximos de rios.
Com o homem colonizando margens de rios, surgiram países e cidades como a Cidade do Cairo, no rio Nilo (Egito); a Jordânia, Palestina e Israel, no rio Jordão; os rios Tigre e Eufrates cortavam a antiga Mesopotâmia, hoje Iraque e Kuwait, e os rios Indo e Ganges, na Índia, e Amarelo e Azul na China são alguns exemplos.
No Brasil a história não foi diferente. O país tem 5.570 municípios e parte dessas cidades nasceram próximas a algum rio, ribeirão, estância térmica ou mineral e ou a beira-mar. O nosso Nordeste tem centenas de exemplos e o rio São Francisco é a prova maior da ligação entre o homem e a água. Quantas cidades nasceram nas margens do Velho Chico?
Apesar de vivermos em um país com dimensões continentais - o Brasil é o quinto maior país do mundo em extensão territorial - com uma área de 8.547.403 km², boa parte de toda essa terra já tem dono, sobrando pouca coisa para a grande maioria do povo brasileiro, que vive toda uma vida pagando aluguel ou se arriscando em áreas de risco (morros, mangues e beiradas de rios) onde terminam construindo a sua moradia.
Eu mesmo já fiz parte dessa triste realidade, pois no início da minha vida adulta construí um barraco de 4x5 metros (20m2) na margem esquerda do rio Cachoeira, sentido Ilhéus, em uma localidade ribeirinha chamada ‘Chiqueiro’, no bairro de Fátima, em Itabuna, e sofria a cada chuva forte que acontecia e as águas do Cachoeira começavam a subir. Eu já fui por mais de dois anos um homem ribeirinho.
Por que o homem ribeirinho constrói sua moradia nas margens dos rios? Por seguir o instinto de sobrevivência, sabendo ele que ali tem água, terra fértil e alimento? Ou esse mesmo homem corre para as beiradas dos rios por serem terras sem donos, “protegidas pela Marinha brasileira” e ele não sofrerá nenhum tipo de ameaça de despejo momentâneo?
Quando se busca na lei algo sobre essas margens e suas proteções a coisa fica dúbia. A nossa Constituição de 1824 já foi revisada por seis vezes (1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988) e o assunto sempre ficou obscuro e incerto, o que mantém os grandes latifundiários distantes dessas áreas de rios, diferente da grande população pobre, que percebeu que essa faixa de terra de 33 metros é ‘intocável’ e se alojam de forma indevida.
Aqui em Ibicaraí a história da nossa cidade não foi diferente. Os nossos desbravadores quando aqui chegaram se estabeleceram na margem do rio Salgado e de imediato fizeram um cercado com o plantio de algumas culturas e a criação de animais e na sequência um pequeno ponto comercial para segurar os tropeiros que por aqui passavam.
Mais uma vez a história ‘imitou a história’ e os grandes latifundiários adquiriram grandes faixas de terra em nossa região, sobrando para o povo que chegou depois, aquela bendita faixa de 33 metros que são citadas em todas as sete constituições federais, como áreas de proteção da Marinha.
O resto da história é figurinha repetida! No final de dezembro passado Ibicaraí ficou entre as mais de 150 cidades baianas que sofreram com as fortes chuvas. É importante lembrar que o maior prejudicado com a enchente de final de ano foi mais uma vez a população ribeirinha, que infelizmente vive nessa “faixa 33” de ‘terra de ninguém’ ou ‘terra sem dono’.
Arnold Coelho
Um ex-morador ribeirinho