Modelo se despediu da fábrica da Anchieta no último dia 19.
Incompatibilidade com ABS e airbag impediu continuidade do utilitário.
A Volkswagen produziu no último dia 19 aquela que deve ser a última Kombi do mundo, confirmou na quinta-feira (26) a marca alemã. O utilitário chegou ao Brasil primeiro como importado, em 1950, e em 1953 passou a ser montado localmente. A primeira Kombi saiu da linha de produção da fábrica de São Bernardo do Campo (SP) em 2 de setembro de 1957.
A "morte" da Kombi – por conta da lei que obriga todo carro nacional a sair de fábrica com ABS e airbag – foi anunciada em agosto, mas seu fim foi conturbado. Vinte dias antes da lei entrar em vigor, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a obrigatoriedade poderia ser adiada. Ele voltou atrás uma semana depois, mas disse que a Kombi poderia ser uma "exceção". O Contran declinou dessa intenção do governo, e uma reunião marcada entre Mantega e representantes do da indústria automotiva acabou não acontecendo.
Com tudo isso, as duas últimas semanas não foram fáceis para a Kombi. Desde a declaração de Mantega, a “Velha Senhora” foi a mais crucificada entre os que dão adeus por conta da nova legislação – além dela, o Fiat Mille também deixa de ser fabricado por conta da incapacidade de ter tais equipamentos de segurança, se despedindo com a série especial Grazie Mille.
A falta de proteção da Kombi aos ocupantes foi mais destacada do que suas qualidades, como baixo custo de manutenção, robustez mecânica e capacidade de carga. Seus 56 anos de produção a serviço de consumidores que usaram a Kombi para namorar, ganhar a vida, viajar, colecionar histórias e até morar foram convertidos de mérito – um carro não ficaria tanto tempo em produção se não tivesse qualidades e compradores – para exemplo de como a indústria nacional é supostamente atrasada.
E o que seria uma despedida digna – com direito a encontro de colecionadores, visita de jornalistas estrangeiros à sua linha de montagem e até edição especial – se tornou um adeus conturbado e barulhento. Confira abaixo a trajetória do carro há mais tempo em produção no país.
1947 – O holandês Ben Pon, revendedor da Volkswagen no seu país, desenha em 23 de abril o primeiro esboço da Kombi e o entrega ao major Ivan Hirst, que à época dirigia a fábrica da marca na Alemanha, sob domínio do governo inglês durante o pós-guerra.
Hirst junta o desenho de Pon a um veículo de uso interno da fábrica, batizado de Plattenwagen (invenção do próprio Hirst), e leva o projeto ao seu superior, o coronel Charles Radclyffe, que imediatamente rejeita o desenvolvimento, alegando que os escassos recursos da VW naquele momento deveriam ser exclusivamente destinados ao Fusca, até então o único carro da empresa.
1948 – No primeiro dia do ano, o alemão Heinz Nordhoff (ex-Opel e BMW) assume a planta de Wolfsburg como diretor geral. Sua missão era elevar a capacidade produtiva da fábrica – o que na sua visão só seria possível com outro carro na linha de produção. O esboço de Ben Pon então voltou a ser analisado, e Nordhoff decidiu tocar o projeto ao lado do projetista Alfred Haesner.
Nesse mesmo ano, os primeiros protótipos – batizados de Tipo 29 – começam a rodar em testes, um tempo considerado, até hoje, recorde. A primeira unidade pronta sai da linha de produção alemã em fevereiro de 1950 – em março, durante o Salão de Genebra, ocorre a apresentação mundial do Transporter, nome escolhido para o novo veículo comercial da Volkswagen.
1950 – Começa a história da “Velha Senhora” no Brasil, importada da Alemanha pelo Grupo Brasmotor. O nome de batismo no Brasil, Kombi, é a abreviação de Kombinationsfahrzeug, que em alemão significa veículo de usos combinados e classifica a configuração que mistura as carrocerias microbus e furgão.
1953 – O sucesso da Kombi no Brasil leva a Volkswagen a montá-la localmente. O ano também marca a chegada oficial da marca ao país.
1957 – Somente em 2 de setembro deste ano a Kombi sai da linha de produção da então inédita fábrica de São Bernardo do Campo (SP), na Rodovia Anchieta - de onde nunca saiu em 56 anos de produção nacional. Embora motor e câmbio ainda fossem importados, a van atinge os obrigatórios 50% de índice de nacionalização exigidos na época. Foram 371 exemplares fabricados por aqui naquele ano - segundo colecionadores, nenhum deles sobreviveu. A Kombi nacional mais antiga que se tem notícia é de 1958.
1960 – No primeiro Salão do Automóvel brasileiro, realizado no Parque do Ibirapuera, a Volkswagen apresenta a Kombi Turismo, uma versão “abrasileirada” da Kombi Camper alemã. O evento também lança a carroceria de seis portas, exclusiva para o transporte de passageiros, que chegaria efetivamente ao mercado no ano seguinte.
1961 – A produção da Kombi alcança 95% de nacionalização e as unidades fabricadas a partir desta data ficaram conhecidas como “segunda série”, que inaugura algumas mudanças: introdução do marcador de combustível no painel de instrumentos, substituição das hastes de sinalização (as famosas “bananinhas”) pelas lanternas convencionais na dianteira (que logo ganham o apelido de “tetinhas”) e incorporação da seta às lanternas.
1967 – A versão pick-up, formada por uma caçamba de 5 m², começa a ser produzida na fábrica da Anchieta em 1967, acompanhada de um novo motor de 1.493 cm³, que passou a equipar toda a gama. A capacidade de carga salta de 810 kg para 1.000 kg, enquanto, na cabine, o motorista ganha banco individual com ajuste de distância em três posições. O modelo é considerado raro - e desejado - entre os colecionadores de Kombi.
1975 – O ano marca a primeira grande mudança da Kombi. Em outubro, já como modelo 1976, o utilitário passa por uma significativa reestilização, que elimina o para-brisa dividido e reconfigura faróis, piscas e para-choque. Portas (agora maiores) e janelas também mudam – estas passam a abrir e fechar por manivela, verticalmente, e não mais manualmente, na horizontal.
Basicamente, tratava-se de uma Kombi com visual frontal e traseira do modelo estrangeiro mas “miolo” (portas convencionais e 12 janelas) do exemplar brasileiro – somente por aqui existiu tal configuração. Mecanicamente, a Kombi recebe suspensões renovadas, servofreio e um novo motor de 1.584 cm³, alimentado por um carburador. Essa transformação rendeu à Kombi o sobrenome Clipper, em referência ao modelo alemão, que exibia essa cara desde 1968.
1981 – Até então movida apenas a gasolina, e Kombi ganha motor a diesel, disponível para as versões furgão, picape e a inédita picape cabine dupla. Com 1.588 cm³, rendia 50 cv e 9,5 kgfm de torque. A promessa de maior economia era o grande atrativo: consumo médio de 14 km/l na cidade e 16,5 km/l no uso rodoviário. No entanto, a fama de motor frágil levaria a Volkswagen a tirá-lo de cena em 1986.
1982 – É a vez de a Kombi ganhar também motor a álcool, de 57 cv.
1983 – Freios dianteiros a disco, enfim, chegam ao utilitário.
1997 – A maior novidade desde a reformulação de 1975 foi a tão desejada porta corrediça. Além disso, o teto ficou 11 cm mais alto. Tampa do porta-malas, janelas e retrovisores maiores, entradas de ar na parte superior da última coluna e para-choques na cor do veículo completavam as alterações externas. No embalo dessas reformulações foi lançada a versão Carat, de apelo mais luxuoso.
De série, havia bancos em veludo e com encosto de cabeça também para os passageiros, volante emborrachado, vidros verdes, desembaçador traseiro, lanternas escurecidas e rodas com calotas. Em 1999, no entanto, ela foi descontinuada – fazendo deste modelo um dos mais cobiçados pelos colecionadores. Até então alimentado por carburador, em 1998 o motor da Kombi recebe sistema de injeção eletrônica.
2000 – A Volkswagen toma a polêmica decisão de produzir a Kombi apenas na cor branca, enquanto a versão pick-up se despede.
2005 – Abandonado ao redor do mundo, o motor a ar persiste na Kombi, último carro do planeta a ser movido por esse tipo de propulsor. A Série Prata, limitada a 200 unidades, marca o fim dessa era. No ano seguinte, pela primeira vez em sua história, a Kombi é equipada com um bloco a gasolina de refrigeração líquida, o 1.4 flex de 12,7 kgfm de torque. Emprestado do Fox de exportação, o bloco permaneceu na Kombi até seu fim e marcou outra mudança no visual, já que um radiador frontal - similar ao usado nas versões a diesel - foi instalado na frente do carro.
2007 – Para comemorar os 50 anos de produção nacional, a VW lança a versão “50 Anos” da Kombi, limitada a 50 unidades e com uma inédita combinação de cores. Como manda toda série especial, traz no painel uma plaqueta identificando a numeração (01/50) e um logotipo externo, aplicado nas portas dianteiras e na tampa do porta-malas. É outro item cobiçado por colecionadores.
2013 – A versão Last Edition é anunciada em agosto para celebrar o fim de uma história de 63 anos – 56 deles como produto nacional, o mais longevo deles –, que chega ao fim pela incapacidade do modelo em receber freios ABS e airbag, equipamentos de segurança obrigatórios em 100% dos carros a partir de 1º de janeiro de 2014.
Os 1.200 exemplares da série especial têm placa de identificação, acabamento interno diferenciado e exclusiva combinação de cores em azul e branco. No dia 19 de dezembro, a última Kombi sai da linha de produção
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