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segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Aluno da Unicamp nascido na zona rural de MG vai estudar na França

André Moura, de 21 anos, fará intercâmbio na École Centrale de Lyon.
'Se não fosse a educação, seria um trabalhador rural', diz jovem.

Vanessa Fajardo Do G1, em São Paulo

Quando vivia em Pocrane, cidade de 9.000 habitantes na zona rural de Minas Gerais, André Luiz de Moura Marques, hoje com 21 anos, queria se livrar do trabalho na roça. Tinha pavor de ter de ajudar a família no cultivo das plantações de milho, feijão e arroz como faziam os jovens de sua idade, e ia estudar, ler e sonhar com novas oportunidades. Não sabia ao certo onde queria chegar, mas conhecia o caminho: a educação. Pocrane ficou para trás, André se tornou aluno de engenharia química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e agora está prestes a mudar de casa novamente. O destino é Lyon, que abriga a École Centrale de Lyon, uma das mais respeitadas instituições de ensino superior de engenharia do mundo.
André Moura no Rio Manhuaçu, em Pocrane, cidade onde nasceu (Foto: Arquivo pessoal) 
André Moura no Rio Manhuaçu, em Pocrane, cidade onde nasceu (Foto: Arquivo pessoal)
O jovem vai participar de um intercâmbio de dois anos que será possível graças a um programa de duplo diploma da Unicamp destinado aos estudantes de engenharia. Os candidatos são selecionados por meio de análise de currículo, histórico escolar, entrevista e prova. André embarca no próximo dia 21 de agosto. Vai aprender o idioma, fazer as disciplinas do curso de engenharia química em Lyon, mas conclui a graduação na Unicamp.
Não é a primeira vez que André sairá do país. Em julho, em sua primeira viagem de avião, ficou três semanas na China por um programa de intercâmbio do Santander para participar de uma série de discussões sobre meio ambiente e sustentabilidade. “Foi bom conhecer outro país, outra cultura, outra moeda. É bom ver tudo isso para depois emitir suas próprias opiniões”, diz.

Para chegar até a École Centrale de Lyon, a trajetória do jovem foi longa. Durante o ensino fundamental estudava em um povoado distante uma hora de sua casa em Pocrane, ia a pé, sob sol quente. Foi incentivado por uma diretora a tentar uma vaga no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa (UFV) quando concluísse o ensino fundamental. E ao contrário do desejo mãe, que tinha medo de não conseguir ajudá-lo nas despesas se saísse de casa, prestou vestibulinho para tentar uma vaga no Colégio de Aplicação. Falhou na primeira tentativa, mas conseguiu no ano seguinte.
“Fiz a prova, fui aprovado mas não tinha como me manter lá [em Viçosa]. Tinha 16 anos, e na minha família nunca ninguém tinha saído de casa para estudar. Minha mãe não tinha como me bancar, e meus professores me ajudavam, me davam dinheiro para me manter, até os que não me conheciam, mas sabiam da minha história”, afirma André. Nessa época, a mãe do garoto, Ruth Moura, de 39 anos, trabalhava como empregada doméstica, hoje ela é auxiliar de serviços gerais em uma escola de Pocrane. O pai de André morreu por conta de um acidente de trabalho em uma mineração quando ele tinha dois anos.
“Quero me engajar para mudar algumas coisas no meu país. Não me considero mais inteligente do que ninguém, só tive oportunidade e quero promover isso para quem tem grande potencial, mas é sufocado pelo meio."
André Luiz de Moura Marques, de 21 anos
Trezentos quilômetros longe de casa, em Viçosa, André demorou um pouco para se acostumar. “Morava na roça e foi um choque cultural, no primeiro ano sofri um pouco”, diz. André só voltava para Pocrane nas férias, trabalhava como professor particular de matemática e física, e a mãe, aos poucos, se acostumou com a ideia de tê-lo longe. “No começo foi difícil porque fui o primeiro a fazer isso. Mas ela se convenceu de que era a oportunidade que tinha e sabia da minha vontade de sair de lá.”
Ao término do terceiro ano do ensino médio, em 2009, André prestou vestibular e garantiu vaga na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Unicamp, Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e UFV, onde passou em primeiro lugar entre todos os candidatos. Optou pela Unicamp pela reputação e qualidade da instituição, mas também pela política de auxílio e moradia estudantis.
“Muita gente de Pocrane não sabe o que é uma universidade pública, mas é normal. Eu mesmo não tinha noção, mas abri minha cabeça, nunca pensaria em mudar para São Paulo, mas pude sonhar mais alto”, diz.
O espírito de querer o evoluir, o fez ser escolhido como um dos bolsistas da Fundação Estudar, que apoia jovens talentos brasileiros com auxílio financeiro e de orientação para carreira. Da seleção deste ano saíram 29 estudantes entre quase 6.000 inscritos.
O estudante André de Moura na viagem para a China: estreia do passaporte (Foto: Arquivo pessoal) 
O estudante André de Moura na viagem para a China: estreia do passaporte (Foto: Arquivo pessoal)
‘Oportunidade para quem tem potencial’
Lyon é uma das maiores cidades francesas. Lá, André vai estudar, estagiar e morar no campus da universidade. Volta para o Brasil dois anos depois para concluir a graduação na Unicamp, trabalhar e investir em projetos de educação. “Quero me engajar para mudar algumas coisas no meu país. Não me considero mais inteligente do que ninguém, só tive oportunidade e quero promover isso para quem tem grande potencial, mas é sufocado pelo meio. A educação é o que muda nossa vida. É o que mudou a minha. Se não fosse por ela, seria um trabalhador rural”, afirma.
Casa onde André passou a infância e parte da adolescência em Pocrane (Foto: Arquivo pessoal) 
Casa onde André passou a infância e parte da
adolescência em Pocrane (Foto: Arquivo pessoal)
O mineiro pensa em trabalhar como engenheiro com projetos de construções, mas atuar em projetos de educação de forma paralela, criando colégios ou fundações que apoiem estudantes. “A educação faz você se uma pessoa melhor, um cidadão mais consciente, e vai mudar o Brasil. É o mínimo que posso fazer por tudo que tive. Professores apostaram em mim e tenho de retribuir”, diz.
Do Brasil, nos próximos dois anos, André diz que vai sentir falta da família, da língua e da sensação de estar em casa. Mas a distância será importante para viver outras realidades e experiências que poderão se copiadas. “A gente tem muita coisa para ser melhorada e não quero me acomodar. Nosso país é desenvolvido de forma assimétrica, e temos o papel, como cidadãos, de mudar isso. Eu não tinha acesso a uma boa educação, a expectativa era de que virasse um trabalhador rural. Mas minha história foi diferente, e a ideia é que eu não seja um caso a parte. A educação no Brasil é muito restrita, e me faz refletir sempre.”

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