Chefes de facção acompanham pelo celular os julgamentos clandestinos.
Fantástico teve acesso a gravações telefônicas dessas 'sessões'.
Chefes de quadrilhas paulistas especializadas em tráfico de drogas e
roubos comandam, de dentro de prisões, o crime organizado. Utilizando
telefones celulares, esses criminosos também conduzem julgamentos de
comparsas que estão em liberdade e que cometeram alguma infração não
tolerada, como estupro. O Fantástico teve acesso a gravações telefônicas feitas nos últimos anos de alguns tribunais do crime.
Nesses julgamentos, há sempre um acusado, um acusador e três
integrantes da quadrilha, que dão o veredicto. A acusação é feita por
escrito e chamada de relatório. “São várias penalidades, sempre de
acordo com a gravidade do ato praticado. A pena máxima é a pena de
morte”, aponta o promotor Paulo José de Palma, que acompanha o cotidiano
das cadeias de São Paulo. Atualmente, elas abrigam mais de 190 mil presos.
Em um deles, ocorrido em São Bernardo do Campo, no ABC, os criminosos
julgam uma acusação de estupro. Participam dois bandidos, conhecidos
como Cauã e Carequinha. Também estão presentes a suposta vítima, de 14
anos, a mãe dela e o padrasto, acusado do crime. A menina é ouvida.
Cauã pergunta para a adolescente o que aconteceu. “Ele tentou me
estuprar duas vezes. A primeira foi com um facão no meu pescoço. Agora
foi a segunda, tentando tirar minha roupa em cima da minha cama”, afirma
a suposta vítima. A mãe da jovem entra na conversa. “O que eu
presenciei, ele estava só de cueca em cima da cama mesmo.”
O acusado, citado apenas como Alcides, é interrogado por Cauã, que
pergunta: “Essa situação que ela está falando aí, que você está tentando
molestar ela aí, cara. Está ocorrendo aí, meu?” Alcides responde: “Está
ocorrendo nada, meu irmão! É muita fofoca.”
Apesar da negativa, o acusado não convence os comparsas e ouve a
sentença de morte. Mais tarde, Cauã pergunta a um homem chamado Diego se
Alcides foi executado. Até quem não joga xadrez entende a resposta: “Já
era, xeque-mate”.
O tribunal do crime citado acima é semelhante ao que ocorreu na segunda-feira (10), em uma chácara em Várzea Paulista,
interior de São Paulo. Maciel Santana da Silva, de 21 anos, estava lá
para ser sentenciado à vida ou à morte. Ele era acusado de estuprar uma
menina de 12 anos, irmã de um jovem ligado ao tráfico de drogas.
Rota
Quatorze homens, 12 com passagem pela polícia, participavam do julgamento. Uma denúncia anônima levou um batalhão das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) a cercar a chácara. Na versão oficial, os suspeitos não quiseram se entregar e houve uma intensa troca de tiros dentro e fora do imóvel. A ação terminou com nove mortos e cinco presos. Nenhum policial ficou ferido e mais de 60 tiros foram disparados.
Quatorze homens, 12 com passagem pela polícia, participavam do julgamento. Uma denúncia anônima levou um batalhão das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) a cercar a chácara. Na versão oficial, os suspeitos não quiseram se entregar e houve uma intensa troca de tiros dentro e fora do imóvel. A ação terminou com nove mortos e cinco presos. Nenhum policial ficou ferido e mais de 60 tiros foram disparados.
Um homem que não quis se identificar viu a ação.
"A polícia passou e pediu para que todo mundo se resguardasse deitado
no chão, para que não houvesse um risco de bala perdida mesmo”, contou.
Questionado sobre a ação, o governador Geraldo Alckmin afirmou: “Duas coisas são importantes. Primeiro, quem não reagiu está vivo.
Segundo, nós tínhamos um grande número de criminosos com armamento
extremamente pesado, participantes de uma facção criminosa, e que a
polícia surpreendeu a todos deles”.
Na chácara, a polícia encontrou armas, munição, latas de cerveja e
carne para o churrasco. Pouco antes da ação, o tribunal clandestino absolveu o suspeito.
Mas o jovem, que segundo os PMs também estava armado, morreu no
tiroteio. A mãe, a menina que teria sido estuprada e o irmão dela
estavam lá dentro, mas nada sofreram.
Escuta
Em outro julgamento grampeado pela polícia, um bandido liga para a prisão contando que dois comparsas foram detidos por policiais que se passaram por compradores de uma carga de maconha. Ele conta que, para resgatar um dos presos, fez um acordo com os policiais, que chama de botas. Na linguagem dele, maconha é chá.
Em outro julgamento grampeado pela polícia, um bandido liga para a prisão contando que dois comparsas foram detidos por policiais que se passaram por compradores de uma carga de maconha. Ele conta que, para resgatar um dos presos, fez um acordo com os policiais, que chama de botas. Na linguagem dele, maconha é chá.
"O prejuízo foi total de R$ 120 mil, incluindo 57,5 kg de chá, fora os
R$ 100 mil do acordo com os bota." A ordem que vem da cadeia é de punir
os comparsas que foram enganados pelos policiais.
"O irmão chegou num ponto aonde é o seguinte: ele quer uma cobrança
radical nos caras. Ele nem está querendo mais o dinheiro. Está querendo
uma cobrança daquele jeito no cara." Os bandidos acusados de dar
prejuízo à quadrilha foram incluídos em uma lista de devedores. Se não
pagassem, morreriam.
Baixas
A guerra urbana entre PMs e criminosos trouxe baixas dos dois lados. Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), só nos primeiros seis meses de 2012 a polícia diz que matou em confrontos 117 pessoas no estado, 76 delas só na capital.
A guerra urbana entre PMs e criminosos trouxe baixas dos dois lados. Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), só nos primeiros seis meses de 2012 a polícia diz que matou em confrontos 117 pessoas no estado, 76 delas só na capital.
Do início do ano até hoje, 70 PMs foram executados; 52 estavam de
folga. Segundo a SSP, eles estariam fazendo bico ou foram identificados
nas comunidades onde moram, e sofreram emboscadas.
Apesar do clima de confronto entre a polícia os criminosos, o promotor
diz acreditar que essas quadrilhas perderam força. “Com a atuação das
polícias, do Ministério Público e do poder Judiciário, esses tribunais
perderam força na mesma proporção que as organizações criminosas. Claro
que os tribunais existem, mas não com a relevância de antigamente”,
conclui o promotor Paulo José de Palma.
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