Surtos recentes de sarampo nos
Estados Unidos e nas Filipinas estão ligados à queda na imunização voluntária,
de acordo com a Organização Mundial da Saúde.
Por
BBC
A queda na cobertura vacinal em algumas regiões é apontada como causa
para surtos de sarampo que têm sido observados em diversos países — Foto:
Pixabay
No dia 7 de fevereiro, as autoridades de saúde das Filipinas anunciaram
um aumento de 74% no número de casos de sarampo no
primeiro mês de 2019, em comparação ao mesmo período de 2018.
O país asiático foi o mais recente a declarar um surto da doença — mas
está longe de ser o único.
A infecção viral, altamente contagiosa, matou 111 mil pessoas no mundo
em 2017, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Em seu relatório mais recente, divulgado em novembro, a OMS listou
"complacência" e a maior disseminação de informações falsas sobre
vacinas — em paralelo ao colapso dos sistemas de saúde de vários países — como
fatores por trás do aumento de 30% nos casos de sarampo no mundo entre 2016 e
2017.
"Casos relativamente esparsos (que um país possa registrar hoje)
podem rapidamente se tornar dezenas, centenas ou milhares sem a proteção dada
pelas vacinas", alertou a organização.
As Américas, a Europa e o leste da região mediterrânea sofreram os
piores episódios de surto - incluindo os Estados Unidos, que viraram uma
espécie de bastião do movimento anti-vacina, caracterizado pela persistência de
mitos sobre as vacinas e a queda nos níveis de imunização a despeito das
evidências científicas sobre os benefícios da imunização.
Veja, a seguir, 8 mitos sobre vacinação que contribuem para a
desaceleração da cobertura vacinal no mundo e para o ressurgimento de doenças
que poderiam ser facilmente evitadas.
1. 'Vacinas podem causar autismo'
Uma eventual ligação entre a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola
(MMR, na sigla em inglês) e o autismo foi descartada por diversos estudos e organizações
— Foto: Pixabay
A queda nos níveis de imunização em países ocidentais nas últimas
décadas tem sua origem, de forma mais ampla, em uma polêmica criada pelo
cirurgião britânico Andrew Wakefield.
Em um artigo publicado em 1997 no prestigiado periódico médico The
Lancet, Wakefield argumentava que a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola
estaria por trás do aumento de casos de autismo entre crianças britânicas.
Uma série de estudos publicados desde então tem refutado a existência de
uma relação de causa e efeito entre a vacina e o autismo — de lá para cá, a
revista The Lancet acabou retirando o estudo de seus arquivos e, em 2010,
Wakefield teve o registro de médico cassado no Reino Unido.
Ainda assim, suas alegações — ainda que já desmistificadas — tiveram
repercussão suficiente para derrubar as taxas de imunização contra sarampo,
caxumba e rubéola no Reino Unidos de 92% em 1996 para 84% em 2002.
Daquele ano em diante, os níveis voltaram a subir e chegaram a 91%,
ainda abaixo do recomendado pela OMS, contudo, de 95%.
2. 'O sistema imunológico das
crianças não suporta tantas vacinas'
Com apenas algumas horas de nascidos, os bebês são capazes de estruturar
uma resposta imunológica às vacinas, diz especialista. — Foto: Pixabay
Há pelo menos 11 vacinas recomendadas a bebês e crianças de até 2 anos
de idade. Alguns pais consideram esse número elevado e temem que a imunização
na primeira infância sobrecarregue o sistema imunológico dos filhos.
Uma preocupação recorrente é o fato de que muitas vacinas funcionam
inoculando vírus ou bactérias causadores de doenças no corpo, ainda que
atenuados.
Nesses casos, contudo, os fabricantes usam versões modificadas dos
micro-organismos para que eles não consigam desencadear os efeitos da doença no
organismo — mas prepará-lo para reagir quando em contato com o agente
patogênico de fato.
"Recém-nascidos desenvolvem a capacidade de responder a antígenos
(substâncias capazes de estimular uma resposta imunológica) ainda antes de
virem ao mundo", escreveu o pediatra americano Paul A. Offit em um dos
mais conhecidos trabalhos de revisão de dados científicos disponíveis sobre a
relação entre múltiplas vacinas e o sistema imunológico de crianças.
"Com apenas algumas horas de nascidos eles são capazes de
estruturar uma resposta imunológica às vacinas."
3. 'Muitas doenças já estavam
desaparecendo quando as vacinas surgiram'
A ingestão de vitaminas não é suficiente para afastar doenças que podem
ser prevenidas com vacinas — Foto: Pixabay
A discussão aqui é a de que a melhoria das condições socioeconômicas —
na nutrição e na infraestrutura de saneamento, por exemplo — teriam sido tão
eficientes quanto as vacinas no decorrer do tempo.
É verdade que esses avanços vinham contribuindo para a redução das taxas
de mortalidade de algumas doenças antes de as vacinas serem introduzidas. Mas a
intensificação na trajetória de diminuição do contágio é um forte indicativo de
que as vacinas tiveram papel importante na melhora do quadro geral de saúde.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o total de mortes causadas por sarampo
caiu de 5,3 mil em 1960 para 450 em 2012, de acordo com o Centro para o
Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês). A primeira vacina
contra sarampo surgiu em 1963.
Mas a imunização não apenas melhorou as taxas de sobrevivência: também
contribuiu para a redução dramática no número de casos da doença nos 5 anos
após o surgimento da vacina, de 1963 a 1968.
As informações disponíveis hoje sinalizam que uma redução nos níveis de
imunização podem levar ao ressurgimento de doenças — nos anos 1970, Japão e
Suécia registraram um salto no número de casos e de mortes de outra doença
evitável, a coqueluche, depois de uma temporada de menor vacinação das
crianças.
4. 'A maioria das pessoas que adoece
foi vacinada'
Adeptos do movimento anti-vacina usam esse como um dos argumentos contra
a imunização.
Nenhuma vacina é 100% eficaz e a OMS afirma que a maioria das rotinas de
imunização infantil funciona para 85% a 95% dos recipientes.
Cada pessoa reage de uma forma particular, o que significa que nem todos
entre aqueles que foram vacinados desenvolverão imunidade à doença.
Mas a razão pela qual mais pessoas vacinadas adoecem em comparação
àquelas que não foram imunizadas se deve ao simples fato de que elas são
maioria.
Pessoas não vacinadas, na verdade, costumam adoecer com maior
frequência.
5. 'As vacinas são um grande negócio
para a indústria farmacêutica'
Ainda hoje as vacinas representam uma parte pequena do faturamento da
indústria farmacêutica — Foto: Unsplash
O economista especializado em saúde da OMS Miloud Kadar estima que o
mercado global de vacinas valia US$ 24 bilhões em 2013 — menos de 3% do valor
total do mercado farmacêutico naquele mesmo ano.
Recentemente, o mercado de vacinas ganhou novo ímpeto, impulsionado por
fatores como a expansão de programas de imunização em países como a China e a
decisão de filantropos de financiar fundos para pesquisa e desenvolvimento de
novas vacinas - o fundador da Microsoft, Bill Gates, é um exemplo nesse
sentido.
As vacinas podem ser uma área interessante para as empresas
farmacêuticas, mas, mesmo do ponto de vista financeiro, elas são um bom negócio
para a humanidade como um todo - já que ficar doente é muito mais caro.
Um estudo conduzido pela Universidade Johns Hopkins em 2016 estimava
que, para cada dólar investido em vacinação nos 94 países de menor renda média
do planeta, poupava-se US$ 16 em despesas no sistema de saúde, em perdas
salariais e perdas com produtividade causadas por adoecimento e por morte.
6. 'Meu país praticamente erradicou
essa doença, então não preciso me vacinar'
Ainda que a vacinação tenha reduzido a incidência de doenças evitáveis
em vários países, isso não significa que elas estejam sob controle sob uma
perspectiva global.
Algumas delas são mais prevalentes em alguns lugares e até endêmicas em
partes do globo - e, por isso, poderiam viajar com facilidade, graças à
globalização, e ser reavivadas diante do declínio da cobertura vacinal.
Casos de sarampo na Europa triplicaram entre 2017 e 2018 e chegaram a
quase 83 mil — o maior número nesta década.
7. 'Vacinas contêm toxinas perigosas'
Outra preocupação dos pais que se sentem inseguros em relação a vacinar
os filhos é o uso de substâncias como formaldeídos, mercúrio e alumínio na
produção das vacinas.
Se consumidas em determinado nível, essas substâncias fazem mal à saúde
— não, porém, na quantidade presente nas vacinas.
De acordo com a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos,
agência local de controle e regulamentação de alimentos e remédios, uma vacina
padrão que utiliza mercúrio na composição tem uma concentração de 25
microgramas do elemento a cada 0,5 ml.
A agência afirma ainda que essa é a mesma quantidade de mercúrio contida
em 85g de atum em lata.
8. 'Vacinas são uma conspiração'
Robert Kennedy Jr., à direita, fala em uma manifestação desta sexta (8),
na capital americana, contra um projeto de lei que tiraria a capacidade dos
pais de reivindicarem uma isenção filosófica para não vacinar os filhos em
idade escolar contra sarampo, caxumba e rubéola. — Foto: Ted S. Warren/AP
A crença de que as vacinas são parte de um plano para atacar populações
civis ainda persiste.
No norte da Nigéria, a luta contra a poliomielite é prejudicada pela
crença de que a imunização poderia causar infertilidade em garotas e disseminar
HIV — ataques contra profissionais da saúde não são incomuns no país.
O mesmo tipo de desinformação é observado no Afeganistão e no Paquistão,
que, ao lado da Nigéria, são os únicos países em que o vírus que causa
paralisia infantil continua endêmico.
Esse quadro é agravado por episódios como o que aconteceu em março de
2011, quando a agência de inteligência americana, a CIA, forjou uma campanha de
vacinação contra hepatite B no Paquistão em uma tentativa de coletar DNA da
população e tentar encontrar parentes do então líder da al-Qaeda e fugitivo
Osama Bin Laden para determinar seu paradeiro.
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