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terça-feira, 30 de agosto de 2016

Morador de rua 'usa' máquina de cartão para pedir esmola no semáforo


EMILIO SANT'ANNA



"Ô Japonês, vem cá! Esse negócio que você inventou de passar cartão vai sair no jornal!", grita o mecânico do outro lado da avenida Rudge, no Bom Retiro, região central.

"Japonês" é Alessandro de Assis Koga, 36 —completados nesta terça-feira (30)—, um cara bastante improvável.
Nissei, ele diz ter vivido oito anos no Japão trabalhando em fábricas como a Suzuki. No canteiro central da avenida, mora numa barraca de lona mais limpa e arrumada que muita casa. Sobrevive do que arrecada no semáforo -e para isso "usa" uma máquina de cartões de crédito e débito.

Improvável, mas não impossível. "Boa tarde, abençoado. Fortalece o meu lado? Não tem trocado? Sem problema", apresenta a maquininha ao motorista de uma SUV preta. "Crédito é, no máximo em cinco parcelas, ok?", completa ele —sem explicar inicialmente que, na verdade, a máquina não funciona.
Vez por outra, causa espanto nos motoristas que param na esquina da Rudge com a rua Norma Pieruccini Giannotti, bem em frente à sede da LBV (Legião Brasileira da Boa Vontade) —um prédio amplo com o rosto de Jesus Cristo pintado na fachada.

Para quem arregala o olho, ele se explica. Achou a máquina jogada na esquina durante uma madrugada chuvosa. Até funcionava na hora, mas não é para isso que ele quer. "Quem vai me dar o cartão assim? O negócio é que faz o cara prestar atenção em você, dar risada", afirma.

Para quem arranca com o carro, faz cara feia ou parece estar morrendo de medo, melhor não explicar nada, só agradecer. "Se não der certo, é porque não ia dar de jeito nenhum mesmo", diz a companheira de Alessandro, Regiane Souza Rodrigues, 43 —a responsável pelo asseio impecável da barraca.

Juntos há quatro anos, os dois não se largam. "Desculpe a bagunça e não ter nada para te oferecer, só essas balinhas", diz à reportagem a mulher nascida em Belém.
Quem trabalha por ali conhece bem o casal. "São gente boa, não causam problema com ninguém e são extremamente limpos", diz o mecânico Everton de Oliveira, 34, ainda se divertindo com a exposição do "Japonês".

Alessandro aprendeu a "não causar problema" quando foi para a rua. Há regras a serem seguidas. A avenida onde ele vive tem três faixas de cada lado; a mais perto da calçada é reservada às mulheres e aos mais velhos.

"Não pode chegar atropelando os outros, cortando o companheiro", afirma Regiane, apontando para um vizinho de canteiro central, um senhor de cabelos brancos que dorme a poucos metros de um centro de acolhida da prefeitura, o Boracéa.

O casal está há cerca de um ano com a barraca no local. Antes do inverno, o "rapa" (fiscalização municipal) costumava tirá-los. "Agora, com o frio, ninguém incomoda, não", afirma Regiane.

Nenhum dos dois têm qualquer tipo de documento —segundo eles, levados pelo "rapa"—, o que costuma causar ainda mais dificuldades.
"A gente fazia uns cursos aí pelo Boracéa", afirma a mulher. "Agora acabou tudo, não tem mais nada".
A prefeitura diz que o centro de acolhida atende atualmente 1.320 moradores em situação de rua e que os cursos continuam normalmente.
Alessandro não reclama. "Onde moro, queira ou não, faço amigos fácil", afirma. "Pra você ver: saio daqui, deixo a barraca aberta e vou na feira. Lá ganho umas frutas, compro outras. Passo na peixaria, ganho um peixe."

Medo de ser roubado? "Não. Jesus taí vigiando a gente 24 horas por dia", aponta com a cabeça para a fachada do prédio ao lado.

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