No total, 42 alunos terão permissão para fazer o exame dentro dos
hospitais, por estarem sob tratamento médico. Eles serão acompanhados por
fiscais do Inep.
Por Vanessa
Fajardo, BBC
Instituto
de Tratamento do Câncer Infantil (Itaci), no bairro de Pinheiros, em São Paulo,
já teve prova do Enem para pacientes em anos anteriores — Foto: Arquivo pessoal
Quando tinha 4 anos,
Isabel Cristina Souza Nascimento teve câncer na retina e precisou substituir o
olho esquerdo por uma prótese, além de fazer sessões de quimioterapia. Doze anos
depois, a doença reapareceu nos ossos. Enquanto Isabel, hoje com 18 anos,
tratava o osteossarcoma - uma espécie de tumor ósseo - na perna esquerda,
descobriu nódulos nos pulmões.
Em dois anos, passou
por cinco cirurgias. A próxima, no pulmão direito, será agora em novembro, mas
ela espera que os médicos consigam adiar para depois do dia 11, quando terá a
segunda prova do Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem).
Assim como no ano
passado, Isabel fará o Enem no Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (Itaci),
no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Ela está
entre os 42 candidatos inscritos para a prova deste ano que tiveram permissão
de fazer o exame dentro do hospital porque estão sob tratamento médico. O exame
será aplicado nos dias 4 e 11 de novembro, dois domingos consecutivos.
"Os
médicos estão querendo me operar na semana de intervalo entre uma prova e outra
do Enem. Até daria para fazer internada, mas depois de uma cirurgia de pulmão
que é muito doída, vai ser difícil", diz.
Isabel e os outros
estudantes inscritos para fazer o Enem nos hospitais têm de respeitar as mesmas
regras dos demais candidatos dos pontos regulares de aplicação. Eles serão
acompanhados por fiscais do Inep (Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
Isabel, à direita, teve o raciocínio prejudicado
pelo tratamento de câncer, mas decidiu que não pararia de estudar; agora, ela
fará seu segundo Enem no hospital — Foto: Arquivo pessoal
O câncer que Isabel
teve na infância a fez perder o olho esquerdo. Desta vez, a doença que acometeu
os ossos dificulta sua locomoção, por conta da prótese implantada na perna,
exigindo o uso de muletas. O tratamento deixa seu raciocínio mais lento,
principalmente para as disciplinas de ciências exatas. Mas ela não parou de
estudar, embora tenha pensado em desistir muitas vezes.
A estudante concluiu
o ensino médio em uma escola da rede pública de São Paulo no ano passado.
Embora goste de falar em público e escreva bem, e as pessoas digam que leva
jeito para o Jornalismo, pensa em estudar Medicina.
No ano passado,
Isabel conta que teve um desempenho "mediano" no Enem e ficou com 500
pontos, em média. Agora, como já é veterana e conhece o modelo da prova, espera
que vá se sair melhor. "A parte de Humanas é mais fácil do que pensava, e
estamos treinando a redação."
O fato de ter feito
a prova no hospital a deixou fisicamente mais confortável. Ela conseguiu
esticar as pernas, apoiando-as em travesseiros, já que não pode ficar parada
por muito tempo em uma mesma posição.
"É complicado
estudar durante esse tratamento, são muitos percalços na vida do estudante. Mas
não costumo problematizar o câncer ou tudo o que ele nos faz passar, é uma
doença muito difícil, muitas pessoas são levadas a morte. Mas se tem um lado
bom é que você muda, amadurece e passa a ser mais grata", diz.
Apoio da professora
Se depender da
pedagoga hospitalar do Itaci, Angelita Moraes Ferreira, nenhum paciente
internado que esteja cursando o ensino médio deixará de fazer o Enem. Ela leciona
dentro do Itaci há seis anos e é a grande incentivadora para que os alunos
façam o exame e continuem estudando durante o tratamento.
Todos os anos ela
monta grupos de estudos para o Enem, pega provas anteriores para que eles
resolvam e propõe redações. Quando o paciente não está bem disposto, chega a
dar aulas nos leitos.
"Angelita
é o combustível de todos nós. Estou fazendo uma quimioterapia muito forte, fico
debilitada, tenho dificuldade para fazer coisas básicas, mas não vou deixar de
fazer o Enem por ela", diz Isabel.
Vinculada à rede
estadual de ensino, nestes anos de trabalho no Itaci Angelita acompanhou a luta
e a derrota de alunos para o câncer, mas também viu aqueles que se curaram e
seguiram a vida fora do hospital.
É o caso de Júlia
Pascini Masculi, 18 anos, que fez o Enem do ano passado no hospital Itaci por
conta do tratamento de um linfoma e hoje está na faculdade. Júlia cursa Análise
de Desenvolvimento de Sistema em uma universidade particular da cidade de
Peruíbe, no Litoral de São Paulo, e conseguiu bolsa de 50% pelo Programa Universidade para Todos
(Prouni).
Pacientes no Itaci chegam a ter aulas de preparação
para o Enem nos leitos quando estão muito debilitados pelo tratamento — Foto:
Arquivo pessoal
Júlia teve o
diagnóstico de câncer em março do ano passado. Fez seis semanas de
quimioterapia e, durante o processo, por conta da queda da imunidade, teve
pneumonia e infecção na pele.
"Sempre no
terceiro dia de quimio começava a sentir todos os efeitos colaterais, ficava
fraca, mal conseguia andar, a imunidade caía, apareciam feridas na boca e não
conseguia nem comer. Ia até o meu limite, mas acabava sendo internada",
lembra.
Os estudos, no
entanto, ajudavam Júlia se manter entretida. "Eu praticamente ficava
deitada e recebia o remédio, e, como gosto de estudar, sempre gostei, era o que
me distraía. Lia livros dos médicos, a equipe do hospital é maravilhosa, e a
professora Angelita me inspirou a escrever poemas."
Quando Angelita
sugeriu que Júlia fizesse o Enem, ela achou que "não adiantaria
nada", já que não tinha se preparado como deveria. Mas foi o resultado que
garantiu a bolsa que permitiu sua entrada no ensino superior.
De volta à vida normal
Os cabelos de Júlia
voltaram a crescer - na época, ela raspou a cabeça logo após as primeiras
sessões de quimioterapia porque vê-los caindo a irritava - e recuperou a massa
magra do corpo que havia perdido.
Não precisa mais de
medicamento, estuda, vai à academia e está procurando um emprego. Ela volta ao
Itaci a cada seis meses para fazer o acompanhamento padrão.
Filha única, a
estudante perdeu a mãe para o câncer ainda na infância. Depois dessa
experiência, aprendeu a ver a vida de forma diferente e ser agradecida
"por poder acordar na própria casa, e não mais em uma cama de
hospital".
Para os jovens que
enfrentam doenças, ela pede que não percam as esperanças. "É preciso
manter a alma viva, a única coisa que temos o controle, e a alma é tudo. Se
você não está bem por dentro, por fora não vai conseguir lutar para vencer
nada, qualquer doença. É preciso ter fé, é só uma fase, e às vezes vem para o
bem."
Júlia conseguiu uma bolsa de 50% do valor da
universidade por causa de sua pontuação no Enem que fez durante o tratamento de
câncer — Foto: Arquivo pessoal
Isabel, que ainda
não está curada e fará o Enem pela segunda vez no hospital, também incentiva os
alunos a não desistirem das provas, independentemente de seus problemas, e
fazê-las ao menos como experiência.
"Não dá para
achar que estamos estudando pouco porque estamos fazendo um tratamento médico.
Tem muito aluno estudando menos que a gente. Se você se esforçou ao longo de
sua vida escolar, vai ter um bom resultado. Anime-se, bote a cara, no mínimo
vai ser uma grande experiência para se aperfeiçoar da próxima vez. Já o máximo
é com você", afirma Isabel.
Para a Angelita, a
professora conselheira, é gratificante ver quanto o seu trabalho colabora com a
vida dos jovens.
"É muito
importante dentro do hospital trazer uma rotina perdida, uma perspectiva de
vida. Hoje eles estão doentes. Não são doentes, mas perdem a questão da
identidade. Não tem outro profissional dentro do hospital, além do professor,
que pode fazer o resgate que a escolarização proporciona."
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