Por Alan Tiago Alves, G1 BA
A alegria estampada no rosto,
característica marcante da lavradora Raquel Barreto da Silva, é sinal de um
sonho realizado após "uma vida inteira de luta", como ela mesma diz.
Aos 90 anos, a baiana que tem quatro filhos, oito netos e dois bisnetos
conseguiu realizar uma meta de infância: concluir uma faculdade. Como
"nunca é tarde para aprender", frase que ela insiste em repetir ao
falar do feito, ainda planeja uma pós-graduação após conseguir montar o tão
desejado consultório de massoterapia.
Natural de Itajuípe, no sul
da Bahia, Raquel terminou o ensino médio em 2009, aos 82 anos. Aos 85, começou
a fazer cursinho e vestibulares na tentativa de ingressar no ensino superior.
Conseguiu o objetivo um ano depois, após uma faculdade particular de Vitória da
Conquista, no sudoeste baiano, a presentear com uma bolsa de estudos para o
curso de estética e cosmética, depois de se comover com a vontade dela em
aprender.
Ela concluiu o curso no final
de 2016, mas a formatura ocorreu em março desse ano. A cerimônia ainda está na
memória como se tivesse ocorrido ontem. "Eu me lembro de tudo, me lembro
de cada mensagem de apoio e de cada aplauso na hora que eu me levantei para
pegar o diploma. Quando eu tive o prazer de receber o diploma, percebi que
quando a pessoa tem vontade de fazer uma coisa ela tem que correr atrás, seja
ela jovem ou não", destaca.
Lavradora Raquel Barreto da Silva concluiu curso de
estética aos 90 anos (Foto: Reprodução/YouTube/FAINOR)
A idosa conta que optou pelo
curso de estética porque gosta da área de saúde e também porque poderia
concluir a graduação em menos tempo, já que o curso na instituição onde ela foi
aluna até 2016 tem carga horária menor que os demais. Na instituição de ensino,
virou até garota propaganda.
"Eu sempre gostei de
cuidar das pessoas e da saúde do pessoal. É isso que mais eu quero. A faculdade
ficou sabendo da minha história de vida, da minha vontade em aprender e o
diretor disse que me daria a bolsa caso em passasse no vestibular. Quando eu
soube, por minhas netas, que eu tinha passado, eu pulei mais que pipoca. Pulei
de alegria e dei glória a Deus e toda a minha família fez festa", destaca.
Durante a faculdade, diz ter
perdido em apenas duas matérias, porque teve de fazer duas cirurgias e faltou a
algumas aulas. "Tive que fazer cirurgias nos olhos, porque tava sem
enxergar por causa de catarata. Fiz uma em 2013 e outra em 2014 e agora enxergo
bem, graças a Deus. Depois dos procedimentos, me recuperei nas matérias que
perdi. Tirei notas boas", lembra.
"Eu estou levando
a vida correndo atrás de aprender, porque é bom demais e, além disso, tenho a
fortaleza de uma pessoa de 40 anos"
Raquel diz que o trabalho
como lavradora atrapalhou os estudos quando ela era jovem. Ajudava a família na
roça, e a escola foi sendo "sacrificada". Dedicada, ela diz que
sempre gostou de escrever e conta que aprendeu a ler com os irmãos.
"Meus pais não me
deixaram estudar e, depois que me casei, também não tive o apoio do meu marido
para isso. Era uma moça da roça e trabalhei muito. Aprendi a fazer farinha,
plantar mandioca, fazer rapadura, açúcar mascavo. Vivi presa em casa, com esse
trabalho, mas sempre tive essa vontade de estudar e aprender".
O marido de Raquel faleceu
quando ela tinha 44 anos. Ela conta que, depois disso, passou a enfrentar
dificuldades finaceiras e decidiu ir para São Paulo, em busca de uma vida
melhor. "Era pra ter ficado lá trabalhando como empregada doméstica
somente por uns três anos, mas acabei ficando lá por 17 anos. Trabalhei em
vários lugares e mandava dinheiro todo mês para os filhos. Somente depois foi
que retornei para a Bahia, para Vitória da Conquista, onde moro
atualmente".
Lavradora conclui 1ª faculdade aos 90 anos depois
de ganhar bolsa e planeja pós na BA (Foto: Reprodução/YouTube/FAINOR)
É na casa onde vive hoje,
erguida com o dinheiro que conseguiu juntar com o trabalho realizado em São
Paulo, que Raquel planeja abir um consultório. "Estou arrumando um espaço
para isso aqui mesmo em casa. Estou ainda fazendo cálculos e juntando dinheiro
para isso. Até já tinha uma grana, mas tive que ajudar meu filho mais velho, de
66 anos, que está doente e que mora em Ibicaraí. Mas nos próximos meses, com fé
em Deus, vou ter meu espaço para trabalhar e atender muitas pessoas".
Com o dinheiro que espera
ganhar realizando os atendimentos ela planeja cursar a pós-graduação. "Eu
quero fazer na mesma faculdade, mas para isso preciso ganhar dinheiro. Quero
fazer uma especialização na minha área. Ainda estou vendo isso. Sei que vou
conseguir, porque vontade de aprender não falta. Se eles me dessem essa bolsa
da pós também seria ótimo, não é?", brinca.
Na casa onde mora, Raquel
exibe com orgulho os certificados de corte e costura, culinária e bordado,
resultado de cursos que também fez. Espera, em breve, também expor na parede,
em um quadro, o diploma do curso de computação que está realizando desde o
início do ano.
Além disso, conta que criou,
ao longo da vida, a habilidade de compor música e diz que está nos planos ainda
aprender a tocar violão. "Já fiz uns 60 CDs, tudo com músicas com letra e
voz minha. Sou compositora, gosto de música. Sei pouca coisa de violão e quero
aprender mais. Vou entrar no curso. A gente tem que meter a cara. Nunca é tarde
para isso. O segredo é não desistir", destaca.
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