Após 19 anos, Emanuela diz que soltura de Hildebrando é 'frustrante'.
"Meu pai não pôde ver eu me formar na semana passada. Por muito tempo não pude sequer levar uma flor para o túmulo dele, porque foi enterrado como indigente na época. Depois de quase 20 anos, a gente ainda não se recuperou", disse. O desabafo é da assistente social, Emanuela Firmino, de 34 anos, sobre a morte do seu pai Agilson Santos Firmino e de seu irmão, então com 13 anos, Wilder Firmino, mortos em 1996, em Rio Branco, pelo grupo de extermínio que atuava no Acre na época, denominado Esquadrão da Morte.
O tema voltou a ser destaque no Acre nas últimas semanas, após a Justiça conceder ao ex-deputado Hildebrando Pascoal, acusado de liderar o grupo, a progressão de regime para o semiaberto. No dia 4 de agosto, Pascoal conseguiu o benefício, que foi cassado no mesmo dia.O mandado de segurança aguarda julgamento na Câmara Criminal de Rio Branco.
Por muito tempo não pude sequer levar uma flor para o túmulo do meu pai"
Emanuele Firmino, assistente social
Atualmente, Emanuela prefere manter o estado onde mora em sigilo. Ela também resguarda a sua imagem, da sua mãe e de seu irmão sobrevivente. No dia do crime, ela diz lembrar de tudo o que aconteceu e de como recebeu a notícia da morte de seu pai. Após ouvir no rádio sobre o crime, ela viu o corpo do seu pai machucado e com os membros serrados estampados em telejornais locais. O caso ficou conhecido como 'Crime da Motosserra'.
Ela vive com a mãe Evanilda Firmino, de 59 anos, e um irmão de 32 anos. O crime ainda é um tema muito dolorido na família. "É complicado porque a gente perdeu tudo que tinha. Meu pai nunca foi bandido, sempre foi um homem de bem, só estava na hora errada, no momento errado e com a pessoa errada. E sem falar no meu irmão, que tinha 13 anos, e foi brutalmente assassinado com ácido", diz.
A família tinha chegado ao Acre havia cinco meses para tentar melhorar de vida. Firmino tinha aberto um restaurante de comidas típicas nordestinas e conheceu José Hugo, que visitava o restaurante da família diariamente. A filha conta que Firmino e José Hugo então criaram um laço de amizade. "O José Hugo era nordestino, então meu pai e ele ficaram muito amigos", diz.
Em 30 de junho de 1996, Itamar Pascoal, irmão de Hildebrando, foi morto com um tiro por José Hugo e Firmino teria presenciado a cena. Emanuela esclarece que o pai não teve envolvimento com o crime. "Meu pai sempre foi honesto, sempre trabalhou para manter a família. Ele não teve nada a ver com o assassinato, ele estava no lugar errado, na hora errada. Na época disseram que ele era bandido, mas meu pai tinha saído para levar o carro ao conserto, quando aconteceu tudo", explica.
A partir disso, Pascoal, que era coronel da PM, teria agido por vingança. Firmino então foi morto e esquartejado com uma motosserra. A família acredita que o filho do autônomo tenha sido morto após ter saído de casa. O corpo do adolescente foi encontrado queimado por ácido. Após os crimes, a família nunca mais voltou para a casa em Rio Branco e foi embora do Acre apenas com a roupa do corpo.
No dia do 'Crime da Motosserra', Emanuela diz que homens se identificaram como policiais e levaram primeiro sua mãe. "Disseram que meu pai foi pego bebendo e dirigindo e que estava na delegacia. Minha mãe foi, em seguida os policiais voltaram e disseram que ela estava pedindo que um filho fosse encontrá-la, eu disse que ia, mas disseram que mulher não podia. O Wilder então foi com eles", conta.
Depois disso, a filha disse que só viu os corpos do pai e do irmão pelos noticiários e iniciou uma verdadeira saga para sair do estado. "A gente não tem nem fotos do meu pai porque a gente saiu com a roupa do corpo. Minha mãe, que nunca tinha trabalhado, passou a trabalhar de doméstica para criar os dois filhos, porque quem trabalhava era meu pai. Ele nunca deixou faltar nada em casa. Quando vi o corpo do meu pai na TV, a imagem que mais me marcou é que ele estava machucado e sem os óculos que sempre usava", relembra.
Em 2010, após o julgamento, as ossadas de Firmino e do fillho foram mandadas para a cidade onde a família vive. "Eu falei que a gente não tinha nem como prestar homenagens para o meu pai, pelo menos agora podemos ir ao cemitério", diz. Sem o marido e sem o filho, Evanilda nunca passou por um acompanhamento psicológico. "Ela não teve esse apoio. Até hoje, todos os dias a minha mãe chora. Ela tenta mostrar que superou, mas quando ela não chora na nossa frente, a gente vê na fisionomia do rosto dela que estava chorando. É complicado, ela perdeu um filho, perdeu tudo", lamenta.
Emanuela tinha 15 anos e recorda que a última vez que viu o pai, foi um dia antes do crime, porque no dia em que tudo aconteceu ele teria saído bem cedo de casa e ela ainda dormia. "No dia anterior, ele estava bebendo em um bar perto de casa e fazia muito frio. Chegou em casa acordando a gente e desafiou que daria R$ 100 para quem fosse tomar banho de água gelada. Fui a única a ir, quando estava indo ao banheiro, ele me parou e disse que eu sempre devia lutar pelo o que queria. Em seguida, enrolou meus pés e disse: 'Tá vendo como é bom ter um pai?'", emociona-se.
Essa foi a última frase que a assistente social ouviu do pai e a última imagem dele vivo que ela guarda. "Hoje, tento ser essa guerreira que ele pediu que eu fosse. Amava meu pai, na verdade, o amo demais ainda", salienta.
A assistente social agora, após formada, sonha em criar uma ONG para dar apoio para vítimas de violência. Segundo ela, a organização daria apoio jurídico e psicológico para as vítimas de forma gratuita. "Agora queremos paz, nada mais", finaliza.
Possível progressão de regime para Hildebrando
Sobre a possível ida de Pascoal para o regime semiaberto, ela se diz leiga quando às leis, mas é categórica ao dizer que acha injusto. "Eu me sinto frustrada como brasileira em ver alguém com mais de 100 anos de condenação ser solto. Se a Justiça acha que é correto, tudo bem, isso não vai influenciar em nada na nossa vida porque temos a consciência tranquila de que nunca fizemos mal a ele", destaca.
Emanuele também aproveitou para esclarecer uma informação divulgada na época e que segundo ela, não era verdade. Firmino nunca teria sido mecânico e sim dono de restaurante. Ele levava o carro ao conserto quando teria presenciado o assassinato do irmão de Pascoal. "Houve uma confusão, falaram que ele era mecânico porque ele tinha ido em uma oficina, mas não tem nada a ver", afirma.
'Caso Motosserra'
Acusado de chefiar um grupo de extermínio no Acre, Pascoal cumpre pena em Rio Branco por tráfico, tentativa de homicídio e corrupção eleitoral. Em 2009, ele foi condenado pela morte de Agilson Firmino, o 'Baiano', caso que ficou conhecido popularmente como 'Crime da Motosserra'. As condenações todas somam mais de 100 anos. Desde 1999, Pascoal cumpre pena no presídio Antônio Amaro, em Rio Branco.
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