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sexta-feira, 14 de agosto de 2015

'Ainda não me recuperei', diz filha da vítima do 'crime da motosserra'

Firmino foi esquartejado com motosserra em 1996, em Rio Branco. 

Após 19 anos, Emanuela diz que soltura de Hildebrando é 'frustrante'.

Tácita Muniz
Do G1 AC
Emanuela diz que ainda não conseguiu se recuperar da morte do pai  (Foto: Emanuela Firmino/Arquivo pessoal )Emanuela diz que ainda não conseguiu se recuperar da morte do pai (Foto: Emanuela Firmino/Arquivo pessoal )
"Meu pai não pôde ver eu me formar na semana passada. Por muito tempo não pude sequer levar uma flor para o túmulo dele, porque foi enterrado como indigente na época. Depois de quase 20 anos, a gente ainda não se recuperou", disse. O desabafo é da assistente social, Emanuela Firmino, de 34 anos, sobre a morte do seu pai Agilson Santos Firmino e de seu irmão, então com 13 anos, Wilder Firmino, mortos em 1996, em Rio Branco, pelo grupo de extermínio que atuava no Acre na época, denominado Esquadrão da Morte.
O tema voltou a ser destaque no Acre nas últimas semanas, após a Justiça conceder ao ex-deputado Hildebrando Pascoal, acusado de liderar o grupo, a progressão de regime para o semiaberto. No dia 4 de agosto, Pascoal conseguiu o benefício, que foi cassado no mesmo dia.O mandado de segurança aguarda julgamento na Câmara Criminal de Rio Branco.
Por muito tempo não pude sequer levar uma flor para o túmulo do meu pai"
Emanuele Firmino, assistente social
Atualmente, Emanuela prefere manter o estado onde mora em sigilo. Ela também resguarda a sua imagem, da sua mãe e de seu irmão sobrevivente. No dia do crime, ela diz lembrar de tudo o que aconteceu e de como recebeu a notícia da morte de seu pai. Após ouvir no rádio sobre o crime, ela viu o corpo do seu pai machucado e com os membros serrados estampados em telejornais locais. O caso ficou conhecido como 'Crime da Motosserra'. 
Ela vive com a mãe Evanilda Firmino, de 59 anos, e um irmão de 32 anos. O crime ainda é um tema muito dolorido na família. "É complicado porque a gente perdeu tudo que tinha. Meu pai nunca foi bandido, sempre foi um homem de bem, só estava na hora errada, no momento errado e com a pessoa errada. E sem falar no meu irmão, que tinha 13 anos, e foi brutalmente assassinado com ácido", diz.
A família tinha chegado ao Acre havia cinco meses para tentar melhorar de vida. Firmino tinha aberto um restaurante de comidas típicas nordestinas e conheceu José Hugo, que visitava o restaurante da família diariamente. A filha conta que Firmino e José Hugo então criaram um laço de amizade. "O José Hugo era nordestino, então meu pai e ele ficaram muito amigos", diz.
Emanuela mostra uma das poucas fotos que restou do pai. Como o álbum ficou no Acre, as fotos são reproduções de outras fotos e têm a qualidade ruim (Foto: Emanuela Firmino/Arquivo pessoal)
Emanuela mostra uma das poucas fotos que restou do
pai. Como o álbum ficou no Acre, as fotos são
reproduções de outras fotos e têm a qualidade ruim
(Foto: Emanuela Firmino/Arquivo pessoal)
Em 30 de junho de 1996, Itamar Pascoal, irmão de Hildebrando, foi morto com um tiro por José Hugo e Firmino teria presenciado a cena. Emanuela esclarece que o pai não teve envolvimento com o crime. "Meu pai sempre foi honesto, sempre trabalhou para manter a família. Ele não teve nada a ver com o assassinato, ele estava no lugar errado, na hora errada. Na época disseram que ele era bandido, mas meu pai tinha saído para levar o carro ao conserto, quando aconteceu tudo", explica.
A partir disso, Pascoal, que era coronel da PM, teria agido por vingança. Firmino então foi morto e esquartejado com uma motosserra. A família acredita que o filho do autônomo tenha sido morto após ter saído de casa. O corpo do adolescente foi encontrado queimado por ácido. Após os crimes, a família nunca mais voltou para a casa em Rio Branco e foi embora do Acre apenas com a roupa do corpo.
No dia do 'Crime da Motosserra', Emanuela diz que homens se identificaram como policiais e levaram primeiro sua mãe. "Disseram que meu pai foi pego bebendo e dirigindo e que estava na delegacia. Minha mãe foi, em seguida os policiais voltaram e disseram que ela estava pedindo que um filho fosse encontrá-la, eu disse que ia, mas disseram que mulher não podia. O Wilder então foi com eles", conta.
Depois disso, a filha disse que só viu os corpos do pai e do irmão pelos noticiários e iniciou uma verdadeira saga para sair do estado. "A gente não tem nem fotos do meu pai porque a gente saiu com a roupa do corpo. Minha mãe, que nunca tinha trabalhado, passou a trabalhar de doméstica para criar os dois filhos, porque quem trabalhava era meu pai. Ele nunca deixou faltar nada em casa. Quando vi o corpo do meu pai na TV, a imagem que mais me marcou é que ele estava machucado e sem os óculos que sempre usava", relembra.

Em 2010, após o julgamento, as ossadas de Firmino e do fillho foram mandadas para a cidade onde a família vive. "Eu falei que a gente não tinha nem como prestar homenagens para o meu pai, pelo menos agora podemos ir ao cemitério", diz. 
Sem o marido e sem o filho, Evanilda nunca passou por um acompanhamento psicológico. "Ela não teve esse apoio. Até hoje, todos os dias a minha mãe chora. Ela tenta mostrar que superou, mas quando ela não chora na nossa frente, a gente vê na fisionomia do rosto dela que estava chorando. É complicado, ela perdeu um filho, perdeu tudo", lamenta.
Emanuela tinha 15 anos e recorda que a última vez que viu o pai, foi um dia antes do crime, porque no dia em que tudo aconteceu ele teria saído bem cedo de casa e ela ainda dormia. "No dia anterior, ele estava bebendo em um bar perto de casa e fazia muito frio. Chegou em casa acordando a gente e desafiou que daria R$ 100 para quem fosse tomar banho de água gelada. Fui a única a ir, quando estava indo ao banheiro, ele me parou e disse que eu sempre devia lutar pelo o que queria. Em seguida, enrolou meus pés e disse: 'Tá vendo como é bom ter um pai?'", emociona-se.
Hildebrando Pascoal durante julgamento em 2009, em Rio Branco (Foto: Reprodução/Rede Amazônica Acre)
Hildebrando Pascoal durante julgamento em 2009, em
Rio Branco (Foto: Reprodução/Rede Amazônica Acre)
Essa foi a última frase que a assistente social ouviu do pai e a última imagem dele vivo que ela guarda. "Hoje, tento ser essa guerreira que ele pediu que eu fosse. Amava meu pai, na verdade, o amo demais ainda", salienta.
A assistente social agora, após formada, sonha em criar uma ONG para dar apoio para vítimas de violência. Segundo ela, a organização daria apoio jurídico e psicológico para as vítimas de forma gratuita. "Agora queremos paz, nada mais", finaliza.
Possível progressão de regime para Hildebrando
Sobre a possível ida de Pascoal para o regime semiaberto, ela se diz leiga quando às leis, mas é categórica ao dizer que acha injusto.  "Eu me sinto frustrada como brasileira em ver alguém com mais de 100 anos de condenação ser solto. Se a Justiça acha que é correto, tudo bem, isso não vai influenciar em nada na nossa vida porque temos a consciência tranquila de que nunca fizemos mal a ele", destaca. 

Emanuele também aproveitou para esclarecer uma informação divulgada na época e que segundo ela, não era verdade. Firmino nunca teria sido mecânico e sim dono de restaurante. Ele levava o carro ao conserto quando teria presenciado o assassinato do irmão de Pascoal. "Houve uma confusão, falaram que ele era mecânico porque ele tinha ido em uma oficina, mas não tem nada a ver", afirma.
'Caso Motosserra'
Acusado de chefiar um grupo de extermínio no Acre, Pascoal cumpre pena em Rio Branco por tráfico, tentativa de homicídio e corrupção eleitoral. Em 2009, ele foi condenado pela morte de Agilson Firmino, o 'Baiano', caso que ficou conhecido popularmente como 'Crime da Motosserra'. As condenações todas somam mais de 100 anos. Desde 1999, Pascoal cumpre pena no presídio Antônio Amaro, em Rio Branco.

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