- Reprodução/FacebookO motorista de Uber Jussan Lima, 27, foi morto a tiros dentro do seu carro na zona norte do Rio, na madrugada desta quinta (2)
Na madrugada de quinta-feira (2), Jussan Rodrigues Lima, 27, fez sua última viagem como motorista da Uber. Instantes depois de deixar passageiros no Andaraí, na zona norte do Rio de Janeiro, foi abordado por dois homens numa moto, em uma aparente tentativa de assalto. Um deles acabou atirando três vezes contra Jussan, que morreu no local. A DH (Delegacia de Homicídios) da Capital investiga se ele foi vítima de latrocínio (roubo seguido de morte).
Em 2016, esse tipo de crime registrou aumento de 80% no Estado do Rio em relação ao ano anterior, quando a Polícia Civil registrou 133 latrocínios. A quantidade de ocorrências saltou para 239 no ano passado, segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública). Dados trimestrais indicam alta de 112% nesse tipo de crime entre novembro de 2016 e janeiro de 2017. Considerando apenas janeiro deste ano, outro número alarmante: com 25 registros, foi o maior neste mês desde, pelo menos, 2003 --último ano cujas estatísticas estaduais estão disponíveis mensalmente.
A título de comparação, no Estado de São Paulo a ocorrência de roubos seguidos de morte subiu 1,4% entre 2015 e 2016 --de 356 casos para 361. Com mais registros que o Rio em números absolutos, São Paulo tem, no entanto, uma população quase três vezes maior que a do Estado vizinho --44 milhões contra 16 milhões, aproximadamente.
O aumento no número de latrocínios é visto por especialistas em segurança pública como um indicativo simbólico do agravamento da violência urbana. "O roubo seguido de morte já é uma situação que exige uma atenção especial. Quando apresenta um aumento dessa magnitude, é ainda mais preocupante", afirma o professor Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ (Universidade Federal do Rio).
"A crise do Estado é um fator importante para [explicar] esse aumento, porque tem repercussão no policiamento ostensivo. O aumento do desemprego é outro elemento, assim como a desmoralização provocada pela crise política. Cria-se um efeito muito ruim: 'Já que todos roubam, eu vou roubar também'", argumenta Misse.
Tendo a rua como local de trabalho, quem atua como "parceiro" do aplicativo de transporte urbano acaba se tornando mais suscetível a crimes como o que tirou a vida de Jussan. Desde o início do ano, pelo menos quatro outros motoristas da Uber e uma passageira foram mortos em situações parecidas, segundo levantamento realizado pelo UOL. A Polícia Civil e o ISP alegaram não ter condições de divulgar uma listagem oficial dos casos.
"Infelizmente, tem violência em todo lugar. Ficamos à mercê. A gente trabalha assustado", conta Carlos, que atua com o aplicativo e pediu para ser identificado apenas pelo primeiro nome. "Eu, graças a Deus, nunca fui assaltado, mas já presenciei um assalto ao carro da frente, com uma passageira no meu. Ela entrou em pânico, mas eu consegui cortar e sair."
Procurada pela reportagem, a Uber informou que, em caso de assalto ou qualquer tipo de violência, orienta os usuários a "contatar imediatamente as autoridades policiais". "Infelizmente, a violência urbana permeia a vida nas cidades [...] É importante também fazer um boletim de ocorrência para que os órgãos competentes tenham ciência do ocorrido e possam tomar as medidas cabíveis. Em caso de investigações e processos judiciais, a Uber colabora com as autoridades nos termos da lei", explicou a empresa.
A decisão da Uber de permitir, desde o segundo semestre do ano passado, o pagamento de corridas em dinheiro, provocou reclamações dos motoristas, por conta do aumento no risco de assaltos. Até então o pagamento só podia ser feito com cartão de crédito cadastrado na plataforma.
No mês passado, a empresa começou a pedir o número do CPF de passageiros que pagam suas viagens com dinheiro. A novidade começou a ser adotada em São Paulo e está em implantação gradual em todo o país. "A gente sempre cobra mais segurança, e eles sempre querem melhorar, fazendo mudanças", comenta Carlos.
O sociólogo Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj (Universidade Estadual do Rio), argumenta que não é possível atribuir os casos de violência envolvendo a Uber ao pagamento em dinheiro nas viagens. "Taxistas também aceitam e não vemos acontecer mortes com eles." A reportagem do UOL não encontrou nenhuma ocorrência do tipo em 2017.
Na opinião do taxista Luiz Carlos Coutinho, 55, isso se explica pelo fato de os carros da Uber serem particulares, o que pode assustar criminosos. "Existe assalto a taxista, mas os caras já estão acostumados com táxi. Roubam e acabou. Quando morre alguém da Uber, acho que não necessariamente é por ser motorista. É que pode ser qualquer um ali dentro."
O desconhecimento geográfico de parte dos motoristas do aplicativo é outro elemento que acaba trazendo mais riscos. "Você fica com medo do Waze [app de navegação] te jogar numa favela", diz Carlos. Outra preocupação é esperar os passageiros em locais desertos.
Ele lembrou ainda que são muitos os motoristas de Uber no Rio. "Não para de crescer. Cada vez mais tem mais gente para correr risco", disse o motorista. A empresa não divulga, alegando motivos estratégicos, o número de colaboradores no Estado, mas informou que há aproximadamente 50 mil motoristas nas mais de 40 cidades brasileiras onde a Uber atua. Na capital fluminense, existem 33 mil táxis.
Mortes
Além do caso de Jussan, a DH da Capital está investigando as mortes de outros três motorista da Uber e de uma passageira. A outra, ocorrida em Duque de Caxias, está sendo apurada pela DH da Baixada Fluminense.
A primeira do ano aconteceu no dia 20 de janeiro. Thiago Tinoco de Souza, 29, que era agente do Degase (Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas), foi morto a tiros enquanto trabalhava como motorista do aplicativo, na rua Buenos Aires, no centro do Rio.
Oito dias depois, Samantha Pereira Teixeira, 27, foi atingida por um disparo de arma de fogo durante um assalto nas proximidades da Cidade de Deus, na zona oeste da capital fluminense. O carro em que estava junto das amigas, depois de sair de uma festa, foi abordado por dois homens em uma moto.
Carlos Henrique Gonçalves, 25, foi assassinado na Tijuca, na zona norte do Rio, na noite de 5 de fevereiro. Ele estava indo buscar um casal de passageiros e foi abordado por homens armados quando se aproximava do local combinado. A vítima saiu do veículo para se render, mas os homens atiraram mesmo assim.
Em 12 de fevereiro, Nickson Ferreira Pereira, 32, foi atingido por um tiro na avenida Pastor Martin Luther King Júnior, em frente à estação de metrô Colégio, no bairro de mesmo nome, na zona norte do Rio, quando estava parado em um sinal de trânsito. No dia seguinte, Ed Wilson Araújo da Silva, 28, foi encontrado morto em um canal em Duque de Caxias.
Procurada pela reportagem para se posicionar sobre o aumento nos índices de latrocínio, a Policia Militar do Rio se limitou a afirmar, em nota, que trabalha com base "nas análises criminais de cada região, sempre com o objetivo de reduzir delitos e coibir ações criminosas".
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