Por Lauro Assunção
Embora ainda indefinido o futuro dos egípcios, a queda de Hosni Mubarak revigora os movimentos pela liberdade. Com o êxito até aqui alcançado, outros oprimidos almejarão igual insurgência, visto que o episódio é exemplar aos povos que vivem sob regime ditatorial.
Não se perca de vista, no entanto, que a mídia internacional foi imprescindível ao desenvolvimento e remate do episódio. Pois, sem ela, o esmagamento tendia ao trágico, ou, melhor hipótese, continuaríamos a assistir ao show de manobras e embromações do ditador Mubarak.
O mais interessante do embate, porém, foi a visível presença de Nicolau Maquiavel, de um lado, e de Étienne de La Boétie, do outro, hoje tão atuais quanto no Século XVI, quando publicaram suas obras.
Maquiavel, como se sabe, deu lições quanto à conquista e à manutenção do poder, um manual aos usurpadores e tiranos de todas as épocas. Em sua obra “O Príncipe”, no capítulo III, ao defender a eficácia das colônias na prevenção de insurgências, fez uma recomendação deveras assustadora: “Os homens devem ser mimados ou destruídos, pois podem vingar-se de ofensas leves, porém não o podem das graves. Deste modo, a ofensa que se faça deve ser tal que não se precise temer a vingança”.
Para ele, aniquilando os inconformados, os governantes “começam a ser venerados e se tornam poderosos, seguros, honrados e felizes”.
A sua antítese, portanto, parece ser a obra de La Boétie, “Discurso sobre a Servidão Voluntária”, que esteve na gênese das aglomerações da Praça Tahrir, no Cairo. Em seus ensaios, ele culpava os próprios homens por se deixarem dominar, vez que poderiam se libertar do jugo quando bem decidissem. Para La Boétie, caso quisessem sua liberdade de volta, os oprimidos precisariam apenas de se rebelar para consegui-la. Ele não admitia que um único indivíduo lograsse esmagar mil cidades, milhões de homens, privando-os da liberdade.
Inconformado, La Boétie questionava o porquê de ninguém reagir ao tirano, vez que sequer seria necessário combatê-lo, bastaria não atender suas ordens, não servi-lo. Em suas palavras: “Não é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa alguma”. E concluía dizendo que são os povos que se deixam oprimir, pois se libertariam quando deixassem de servir ao tirano.
Seria esta então a grande tese em favor dos oprimidos, um golpe mortal na tirania: o não-pagamento dos tributos e a não-prestação do serviço militar.
Mas é o próprio La Boétie que reconhece a poderosa engrenagem por trás da tirania. É dele a afirmação de que “o tirano subjuga uns por intermédio de outros”. Uma meia dúzia que comanda dezenas, que, por sua vez, controlam milhares e até milhões de compatriotas.
Ainda mais que, no geral, esses regimes absolutos buscam convencer pela brutalidade. Para garantir o poder do tirano, seus asseclas criam um ambiente de muito sofrimento e intimidação, os perversos porões da ditadura, uma verdadeira máquina de moer gente. Isto quando não partem para o descampado, às escâncaras, a exemplo do massacre da Praça da Paz Celestial, na China de 1989, ou o Domingo Sangrento, na Rússia de 1905.
Mas vamos aguardar o bom desfecho que o Egito está a nos prometer. Esperamos que, ali, não se troque uma ditadura por outra, ainda que de cunho religioso, como desejam algumas alas que comandaram a insurreição. Vamos torcer para que surja naquela antiga civilização um ambiente de liberdade e democracia, aspiração maior dos povos civilizados. E, o que é melhor, que La Boétie sempre prevaleça sobre Maquiavel. Ali e alhures
Lauro Assunção é ex-secretário de Estado da Ciência e Tecnologia do Maranhão e ex-secretário de Estado do Desenvolvimento Urbano da Bahia
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