Sessenta e seis anos após sua morte, a alma de Adolf Hitler assombra ainda hoje uma montanha da Baviera - os alemães não sabem o que fazer dos vestígios de sua casa; e alguns não a querem como curiosidade turística, nem como memorial.
A antiga residência de Hitler nos Alpes.
Bombardeada, dinamitada, desimpedida com máquinas, não resta muito de "Berghof", a residência favorita do Führer nos Alpes, que frequentava regularmente durante mais de dez anos antes da morte, num bunker em Berlim, em 1945.
As autoridades evitam indicar o caminho, e é só quando se está no local que se descobre, num desvio da pista de cascalhos, no meio de uma floresta de pinheiros, um pedaço cinzento de muro, meio perdido na montanha, acompanhado de um quadro explicativo.
É o único vestígio que leva à casa que conhecemos, principalmente, através de filmes amadores, que mostravam um Hitler sorridente no terraço, ao lado de Eva Braun, tendo ao fundo a paisagem idílica.
Situada a meio caminho de Oberzalsberg, a montanha que domina a aldeia de Berchtesgaden, na fronteira germano-austríaca, o lugar serviu de estada para os soldados americanos de infantaria, GI's, antes de sua partida, em 1995.
Fachada de 'Berghof', na montanha de Berchtesgaden
"Quando os americanos estavam lá, não havia problemas," afirma Ingrid Scharfenberg, 80 anos, que dirige desde o final da guerra a pequena pensão "Zum Türken" bem ao lado de Berghof, e que, hoje, está mal acomodada, em relação à notoriedade da vizinhança.
"As pessoas dizem que esta é a montanha nazista e que todos em Berchtesgaden são nazistas. Mas não se pode detestar dez gerações simplesmente porque (Hitler) viveu aqui", comenta ela.
"Não há peregrinações neonazistas aqui", assegura por sua vez o diretor da agência de turismo, Michael Griesser.
"Os neonazistas são raros", afirma Axel Drecoll, 36 anos, historiador do Centro de Documentação de Obersalzberg, que apresenta uma exposição sobre Hitler e a ditadura nazista.
Acontece que, junto da casa, "um pequeno número de pessoas acendem, em segredo, velas e depositam flores, por ocasião do aniversário, ou para lembrar a morte" do ditador, acrescenta ele. Mas tudo é recolhido e jogado fora pelo porteiro do Centro, que fica próximo.
Se o caminho em direção à residência de Berghof permanece quase confidencial, não acontece o mesmo com a estrada que leva ao "Ninho da Águia", um chalé construído pelos nazistas no pico de uma montanha vizinha, oferecido de presente a Hitler pelo seu aniversário de 50 anos.
Às dezenas de milhares, os turistas pegam uma rota vertiginosa para beber aí uma cerveja e admirar a paisagem espetacular.
Para alguns, a aura do ditador envenena menos o Ninho da Águia do que a casa de Berghof, porque Hitler sentia vertigens, e ia pouco lá.
Para evitar qualquer curiosidade doentia, o Estado da Baviera retirou de helicóptero, do Ninho da Águia, alguns móveis de época que ainda estavam no local.
Numerosos historiadores, entre eles Egon Johannes Greipl, chefe do Departamento bávaro de Monumentos Históricos, gostariam de ver tombados todos os sítios nazistas da região.
"Ninguém pensaria em demolir as ruínas de Olímpia (na Grécia) a pretexto de que tudo ficaria mais bem apresentado num Centro de documentação", afirma Greipl. "São testemunhas in loco da História", que falam de um período crucial e de um fato, os crimes nazistas".
Greipl considera incoerente que a Baviera tenha incluído, secretamente, durante décadas, esses locais numa lista de sítios históricos protegidos, antes de decidir "por motivos políticos" varrê-los do mapa.
"Atribuir um estatuto cultural particular à casa Berghof" e a outras ruínas nazistas, entre elas 12 quilômetros de bunkers e de túneis sob a montanha, "serviria apenas para encorajar a construção de uma espécie de trilha do nacional-socialismo", replica Walter Schön, funcionário local encarregado do patrimônio e número dois do ministério da Justiça da Baviera.
Charlotte Knobloch, dirigente da comunidade judaica de Munique, lamenta igualmente qualquer ideia de tombamento.
"De qualquer forma, não resta nada" de Berghof e é preciso evitar fazer da casa um alvo de peregrinação neonazista, segundo ela.
Drecoll, por sua vez, tem menos medo de atrair grupos de extrema-direita do que ver os locais desvirtuados numa espécie de "Disneilândia do nazismo", fora do contexto histórico.
"Claro, é preciso satisfazer a curiosidade dos turistas, mas sem cair no sensacionalismo", diz ele. A grande dificuldade é evitar que "a pesquisa histórica ceda lugar ao kitsch comercial".
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